terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Zé limeira canta para o Gov. Agamenon Magalhães

Conta Orlando Tejo, em seu livro, Zé Limeira – O poeta do absurdo:

“Certa vez, recepcionando visitantes ilustres, o Governador Agamenon Magalhães promoveu um encontro de repentistas em Palácio (a exemplo do que costumava fazer na Paraíba o Presidente João Suassuna, na década de 20), com a participação, entre outros, de Agostinho Lopes dos Santos, José Vicente da Paraíba e os Irmãos Batista...
... Alguns segundos e abre-se uma porta por onde passa o Poeta do Absurdo. Coloca o matulão e a viola sobre o piano, e, reatando o nó de grande lenço encarnado que envolve o pescoço: — Esse aqui não é ninguém não, minha gente, é somente Zé Limeira velho falado. Vim cantá pro Doutor! Cantador pra cantá pro Doutor Agamenon é preciso ter foigo de sete gato! O estadista externou seu prazer em receber mais um poeta paraibano:

— Poeta, esta é minha mulher que, como eu, sente-se imensamente feliz em tê-lo em nossa casa. Limeira aperta a mão da Primeira Dama e expressa-se, à sua maneira espontânea:

— De feição, parece muito com a minha patroa, sendo que ela é pobre do pé da serra e a senhora é uma madama rica da capital!
Àquela altura, todos os presentes já se tomavam de simpatia pelo repentista que fazia questão de cantar para o casal Agamenon Magalhães. Sua participação no torneio já estava sendo uma exigência principalmente de Dona Antonieta. O Poeta do Absurdo escolheu para seu parceiro Otacílio Batista (que, por sinal, foi quem me contou esta história), e os dois passaram a improvisar em martelo agalopado. Otacílio, de acordo com o figurino, fez o tradicional "brinde à dona da casa", fechando assim a estrofe:"

"... E antes que a nossa festa aqui se finde,
Doutor Agamenon, receba o brinde
Que à Dona Antonieta estou erguendo!"

Seguindo a etiqueta, Zé Limeira acompanhou:

"Eu cantando pra Dona Antonieta
A muié do Doutor Agamenon,
Fico como o Reis Magro do Sion,
Me coçando na mesma tabuleta.
Eu aqui vou rasgando a caderneta
De Otacílio Batista Patriota...
Doutor, como eu não tenho um brinde em nota,
Que possa oferecer à sua esposa.
Dou-lhe um quilo de merda de raposa
Numa casca de cana piojota."

A cacimba

A cacimba
(Zé da Luz)
Nessa poesia, a irreverência é o grande marco de Zé da Luz...

Tá vendo aquela cacimba
lá na bêra do riacho
im riba da ribanceira
qui fica assim pru dibáxo
de um pé de tamarinêra.

Pois um magote de moça
quage toda manhanzinha
forma assim aquela tuia
na bêra da cacimbinha
prá tumar banho de cuia.

Eu não sei pruquê razão
as águas dessa nacente,
as águas que ali se vê,
tem um gosto diferente
das cacimbas de bêbê...

As águas da cacimbinha
tem um gôsto mais mió
Nem sargada, nem insôça
Tem um gostim do suó
do suvaco dessas môça...

Quando eu vejo essa cacimba
qui inspio a minha cara
e a cara torno a inspiá,
naquelas águas quiláras,
Pego logo a desejá...

...Desejo, prá quê negá?
Desejo ser um caçote
cum dois óio dêsse tamanho
Prá ver aquele magote
de môça tumando banho!

Moça rica (Zé laurentino)

...e a terra caiu no chão!

...E a terra caiu no chão!
(Zé da Luz)

Uma joia rara desse grande poeta de Itabaiana - PB.

Visitando o meu sertão
que tanta grandeza encerra,
trouxe um punhado de terra
com a maior satisfação

Fiz isso na intenção
Como fez Pedro Segundo
de quando eu deixasse o mundo
levá-lo no meu caixão.

Chegando ao Rio, pensei
guardá-lo só para mim
e num saquinho de brim
essa relíquia encerrei!

Com carinho e com cuidado
numa ripa do telhado
o saquinho pendurei...

Uma doença apanhei
e vendo bem próxima a morte
lembrando as terras do norte
do saquinho me lembrei.

Que cruel desilusão!
As traças, sem coração
meterem os dentes no saco
fizeram um grande buraco
e a terra caiu no chão.

As flô de puxinanã

As flô de Puxinanã
(Zé da Luz)


Três mulé ou três irmã
três cachorra da mulesta
Que eu vi num dia de festa
no lugar puxinanã

A mais veia, a mais ribusta,
era mermo uma tentação
Mimosa flor do Sertão
que o povo chamava Augusta

A segunda é Guilhermina
tinha os oios que oh! maldição
Matava qualquer cristão
o oiá dessa menina

Os oios dela parecia
duas estrela tremendo
se apagando e se acendendo
em noite de ventania

A terceira era Maroca
com o corpo muito má feito
mas porém tinha nos peito
dois cuscuz de mandioca

Dois cuscuz que por capricho
quando passaram por eu
minha venta se acendeu
com o cheiro vindo dos bicho

Eu até me embaraçava
no lugar Puxinanã
sem saber das três irmã
qual era a que eu me agradava

Carregando a minha cruz
pra sair desse embaraço
preferi morrer nos braços
da dona dos dois cuscuz.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Manguaça

Final de cantoria é assim mesmo, a marvada bate com força!!!

Galera, só abre o video com o real player.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

ZE LIMEIRA e AMAZAN NO CÉU

Segundo Amazan, essa cantoria deu-se no céu, o resto fica por sua conta...


ZÉ LIMEIRA, UM ABSURDO NO CÉU

Foi no "meiado" de junho
Num dia de quarta-feira
Do ano de 87
Qu'eu vi pela vez primeira
Na casa do Pai Eterno
O poeta Zé Limeira.

Não sei se estava dormindo
Não sei se estava acordado
Sei que chegou uma nuvem
Quando eu estava deitado
E um anjo gritou: -Vambora!
Que nós já tamo atrasado.

Eu disse: -Vamos pra onde?
O anjo disse: -Acolá
Do poeta Zé Limeira
Você hoje vai ser o par
A cantoria é no céu
Mandaram eu vir Ihe buscar.

Mas eu não sou repentista
Não improviso direito
Sou poeta de bancada
O anjo disse: _ Sujeito
Mandaram eu vir Ihe buscar
Vou levar de qualquer jeito.

Saltou num par de algemas
Eu disse: -Precisa não
Já que é assim eu vou
Sem haver alteração
Quando chegamos no céu
São Pedro abriu o portão.

Entramos de céu adentro
o anjo cumpriu o trato
Quando Limeira me viu
Disse: _ Esse eu hoje mato
Porque sei qu 'ele não tem
O foigo de sete gato.

O salão tava lotado
Eu nunca vi tanta gente
Raimundo Asfora tomando
Um whisky diferente
Até Augusto dos Anjos
Tava sentado na frente.

Assim que Asfora me viu
Veio logo me dizer:
- O Matuto nas Oropa
Qu'eu mandei você fazer
Mais tarde você declame
Que Augusto quer conhecer.

Daí a pouco Jesus
Levantou-se pra falar
Fez um ligeiro discurso
Deu ordem pra começar
A platéia fez silêncio
Nós começamos cantar.

Amazan: -Tenho certeza que hoje
A poesia de Zé
Vai superar os limites
Se Jesus Cristo quiser
Como Ele está assistindo
É evidente que quer.

Limeira: -Tabaco bom é rapé
Fêjão, arroz e farinha
Viva Pedro Malazarte
Viva o rei, viva a rainha
E viva o dono da festa
Grande ladrão de galinha.

Amazan: -Vejam que coisa mesquinha
Chamar Jesus de ladrão
Limeira está enganado
Sem roteiro e sem razão
É bom que o colega faça
Uma retificação.

Limeira: -Limeira é como um cancão
Cantano num pé de fruta
Tem a guela sadia
Com ele ninguém disputa
Aonde Limeira canta
Com oito légua se escuta.

Amazan: -Porém hoje a nossa luta
Eu não sei quem vai vencer
Eu quero que seja eu
Você que seja você
Tanto você quer ganhar
Como eu não quero perder.

Limeira: -No dia que eu descer
Aqui de cabeça abaixo
Pra cantar filosomia
Vou vencer até o diacho
Até mesmo Vila Nova
Nesse dia apaga o facho.

Amazan: -Deixe o povo lá de baixo
Cante com mais atenção
Pegue a deixa que eu deixo
Não faça contradição
Que agora o assunto é novo
Devemos saudar o povo
Que está aqui no salão.

Limeira: -No tempo que Salomão
Foi prefeito da Bahia
vivia que nem um bode
Cumeno o que aparecia
Numa certa madrugada
Ficou de pimba encarnada
Cumeno o cu de uma jia.

Amazan: -Santo Deus, Virgem Maria
Se eu tô ouvindo direito
Zé Limeira continua
Cantando do mesmo jeito
Está me causando espanto
Até na frente dos santos
Ele falta com respeito.

Limeira: -Limeira canta perfeito
Dê o caso no que dé
Tá escrito lá na terra
Em mais de trinta papé
Pra trás, pra frente e de banda
Limeira véi é quem manda
Aqui nesse cabaré.

Amazan: -Cante lá o que quiser
A mim você não espanta
Faça aí seu misturado
Pode espremer a garganta
Pode até na cantoria
Trocar José por Maria
Dizer que o Santo é a Santa.

Limeira: -Zé limeira quando canta
A cabra abutica o ôi
A véa fica zarôia
O véio fica zarôi
Vi numa noite de festa
Um jegue cossano a testa
Na garupa dum piôi.

Amazan: -Certa vez o meu pai foi
No sítio de seu vizinho
Cortou um pé de coqueiro
Conseguiu trazer sozinho
Fez uma força danada
Mas deu uma paulada
Nesse dito piolhinho.

Limeira: -Diga a Zé Alves Sobrinho
Que lá eu não volto mais
Pretendo cantar com ele
De frente do Brasilgás
Dei um tiro num veado
Fedeu a xifre queimado
São Pedro saiu pra trás.

Amazan: -Eu também cheguei num cais
Era sexta-feira santa
Com minha boa espingarda
Enrolada numa manta
Atirei num tubarão
Matei cinquenta pavão
Dois macaco e uma anta.

Limeira: -Tanto sô bom de garganta
Como sô bom de guela
Tanto faz a mãe do diabo
Como a prima da mãe dela
Vai passando um poico ispim
Com um feixe de capim
Amarrado nas costela.

Amazan: -Limeira se afragela
Com seu cantar sem enredo
Não junta coisa com coisa
Já descobri seu segredo
Se tem bom guardado bote
Que Amazan dá pinote
E não acha de que ter medo.

Limeira: -O Presidente Tancredo
Me contô a sua esposa
Vivia tirando leite
No sovaco de raposa
Foi vigário em Soledade
Com trinta anos de idade
Foi delegado de Souza.

Nisso Jesus levantou-se
Nos entregou em seguida
Um mote pra ser glosado
A gente deu uma lida:
" Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a Vida".

Amazan: -Preguei ao mundo amor
E a paz com fidelidade
Andei por muitas cidades
Na vida de pregador
Fui bom mestre, bom pastor
Salvei a gente perdida
Minha missão foi cumprida
Hoje meu gozo é profundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Limeira: -Quando pregano eu vivi
Com meu martelo véi cego
Certa vez pregano um prego
Na hora me distraí
Errei o prego e bati
Na minha unha querida
A unha ficou fudida
Soquei o dedo no fundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Amazan: -Fui coroado de espinho
Chicoteado também
Não me vinguei de ninguém
Retribuí com carinho
Proseguí o meu caminho
Naquela estrada comprida
Fui morto e logo em seguida
Ressussitei num segundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Limeira: -Um dia eu peguei um trem
Deixei o sítio Tauá
Saí por dentro do má
E fui bater em Belém
O pade dizia amém
Na hora da despedida
Montei na besta parida
Fui visitar São Raimundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Amazan: -Desde de pequenininho
Começou meu sofrimento
Andei até de jumento
Naquele longo caminho
Cresci como um passarinho
Ou ovelha perseguida
Levei a cruz desmedida
Até cair, moribundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Limeira: -Eu também vi uma cruz
Nas custelas dum jumento
Um papa cumeno vento
Misturado com cuscuz
Uma véa dano a luz
A uma cobra comprida
Vi uma vaca parida
C'uma bichêra no fundo
Venci a morte e o mundo
Amando o mundo e a vida.

Houve uma salva de palmas
Com risos e gargalhadas
Limeira gritou: - Agora,
Vamos dar uma parada
Traga o litro de zinebra
p'eu tomá uma lapada.

Eu tomei umas de vinho
E um cigarro acendi
Asfora entregou um mote
Eu glosei depois que li
"Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci".

Amazan: -Alguém que disser na terra
Qu'eu fui covarde demais
Não conhece os ideais
Que minha cabeça encerra
Eu me livrei de uma guerra
Que dentro dela vivi
Quando da vida parti
Ultrapassando as extremas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci.

Limeira: - Quando eu estava na guerra
Na sêca de vinte e três
Ouvi um galo pedrês
Cantar na aba da serra
Começou tremer a terra
Na hora qu'eu presenti
Pelo mato escapoli
Fui esbarrar em Coremas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci.

Amazan: -Vivo como um sabiá
Que não conhece gaiola
Liberto como uma bola
De sabão solta no ar
Não gosto nem de lembrar
Da vida que lá vivi
No dia em que eu morri
Livrei-me dos meus dilemas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci.

Limeira: -Arroche o nó da gravata
Que Limeira vai cantá
Cinco quilo de jabá
Nove lata de batata
Um pato comeno a pata
Na bêra do lago eu vi
Na mesma hora assisti
A briga de duas emas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci.

Amazan: -Sou como uma borboleta
No jardim celestial
Ou como um original
Que saiu de uma gaveta
Aqui ninguém se aproveita
Das coisas que aprendi
Graças a Deus consegui
Uma vida sem problemas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci

Limeira: -Eu já vi um bacurau
Voando no mêi do dia
Já vi uma melancia
Não cabê no meu quintal
E um boi de carnaval
Cumeno capim eu vi
No mesmo dia assisti
Desfile de sariemas
Quebrei da morte as algemas
Para o amor renasci.

Augusto dos Anjos levantou-se
Colocou na cadeira o seu chapéu
Veio em nossa direção trazendo um mote
Nós glosamos como estava no papel:
"Em elucubraçães paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu"

Amazan: -As violas desses dois estão partindo
Minha alma e rachando o coração
Cada acorde é um galho de ilusão
Cada nota uma folha se bulindo
Vejo a copa do velho tamarindo
Retratada nesse bojo tão fiel
Nesse som tão gostoso como mel
Vejo ramas de feijão e gitiranas
Em elucubraçães paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu.

Limeira: -Limeirinha do Tauá está cantano
Reda pau, reda peda, peda arreda
Cada soco que eu dô é uma queda
Traz agulha, traz a linha, cose o pano
Nove quilo de melão São Caetano
Trago tudo na copa do chapéu
Pindurado no rabo dum tetéu
Viajei pelo sul duas semanas
Em elucubraçães paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu

Amazan: -Não consigo esquecer um só momento
Dos momentos de minha infância doce
Muito embora sendo coisa que passou-se
Trago ainda do passado um fragmento
Dumas noites que cantava no relento
Vendo a névoa tão formosa como véu
O orvalho molhando o meu chapéu
E o vento embalando os pés de canas
Em elucubrações paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu.

Limeira: -Eu já vi um vigário sem batina
Na carreira correno atrás da neta
Uma vaca passear de bicicleta
Arredó do mercado de Campina
Um jumento tocano sarafina
Uma freira saindo dum motel
Um menino sem querer o carrossel
E um macaco injeitano três bananas
Em elucubrações paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu.

Amazan: - Eu aqui nesse reino tão sagrado
Levo a vida feliz sempre a cantar
Foi não foi eu começo a me lembrar
Quando leio no livro do passado
Do engenho aonde eu fui criado
Vendo a bica jorrando aquele mel
E o moinho girar tal carrossel
Transformando em bagaço aquelas canas
Em elucubrações paudarquianas
Minh'alma vibra na viola aqui no céu.

Limeira: -Uma vez eu cantava no Tauá
Numa noite chuvosa de sol quente
Vi um gato comeno uma serpente
Atrepado num pé de trapiá
Um cachorro se espremendo pra cagá
E um macaco de olho no anel
Uma casca de cobra cascavel
Enrolada num cacho de bananas
Em elucubrações paudarquianas
Minh´alma vibra na viola aqui no céu.

O povo batendo palmas
Limeira entusiasmado
Tomou uma de zimebra
E deu um grito aloprado -
Isso aqui né ninguém não
É Limeira véi falado!

Naquele mesmo momento
Chegou um anjo vechado
Disse: -São Pedro, lá fora
Tem um cabra embriagado
É bom o senhor ir lá
Qu'ele tá querendo entrar
Sem confessar os pecados.

Jesus olhou pro relógio
E começou comentar:
- Essa hora aqui no céu
Todo bêbado quer entrar
Pode ser que algum consiga
E pra gente evitar briga
É melhor finalizar.

Mesmo o poeta da terra
Tem que voltar em seguida
Antes do sol despontar
No horizonte da vida
Como está chegando a hora
Sugiro que cantem agora
O tema da despedida.

Limeira: -Sô Limerinha falado
Cabôco véi do Tauá
Customado a campiá
Poico, jumento e veado
Mas também sô preparado
Na santa filanlumia
Padim Ciço já dizia
Depois da segunda guerra
Qu'eu era o mió da terra
Adeus até outro dia.

Amazan: - Sei que agora só me resta
Agradecer e saudar
O povo que aqui está
Dando brilho a nossa festa
Numa hora como esta
Eu esquecer não podia
Da santa Virgem Maria
Que também está me ouvindo
Minha gente eu já tô indo
Adeus até outro dia.

Limeira: - Adeus a São Rafael
Que é o dono do bá
Foi vigário no Tauá
Hoje é vaqueiro no céu
E o véio São Miguel
Que é o dono da padaria
Só fabrica melancia
Chapéu de côro e butina
No mercado de Campina
Adeus até outro dia.

Amazan: - A essa gente tão boa
Que a história consagra
Adeus Figueiredo Agra
Zé Américo e João Pessoa
Para os bravos de Lisboa
Que há muito tempo existia
Saudarei na cantoria
Os reis que foram tão bons
Grande poeta Camões
Adeus até outro dia.

Limeira: - Até logo São José
Vendedô de macaxeira
Adeus Manué Bandeira
Que é chefe do cabaré
O sapo fez rapapé
Sautô nos quarto da jia
Nisso chegô o vigia
Com um cacete de lado
Baixe a pomba seu tarado
Adeus até outro dia.

E assim findou-se a noitada
Na casa do Pai fiel
Depois que desci à terra
Numa nuvem de aluguel
Fui pra mesa nas carreiras
E transcrevi Zé Limeira
Um Absurdo No Céu.

A chegada de lampião no inferno

Esses versos de cordel, atribuído a Jose Pacheco, data dos anos 60. Vejam a riqueza de detalhes, associado ao linguajar regional. Uma verdadeira perola da poesia de cordel

A chegada de lampião no inferno

Um cabra de lampião
Por nome pilão deitado
Que morreu numa trincheira
Um certo tempo passado
Agora pelo sertão
Anda correndo visão
Fazendo malassombrado

E foi quem trouxe a noticia
Que viu lampião chegar
O inferno nesse dia
faltou pouco pra virar
incendiou-se o mercado
morreu tanto cão queimado
que faz pena ate contar

morreu o pai de canguinha
a mãe de forrobodó
cem netos de parafuso
um cão chamado cotó
escapuliu boca ensoça
e uma moleca moça
quase queimava o totó

morreu cem negros velhos
que não trabalhava mais
um cão chamado traz cá
vira-volta e capataz
tromba suja e bigodeiro
um cão chamado goteira
cunhado de satanás

vamos tratar da chegada
quando lampião bateu
um moleque ainda moço
no portão apareceu
quem é você cavalheiro?
Moleque eu sou cangaceiro
lampião lhe respondeu

moleque não, sou vigia
e não sou seu pareceiro
e você aqui não entra
sem dizer quem é primeiro
moleque, abra o portão
saiba que sou lampião
assombro do mundo inteiro



então esse tal vigia
que trabalha no portão
dá pisa que voa cinza
não procura distinção
o negro escreveu não leu
a macaíba comeu
ali não usa perdão

o vigia disse assim
fique fora que eu entro
vou conversar com o chefe
no gabinete do centro
por certo ele não lhe quer
mais conforme o que disser
eu levo o senhor pra dentro

lampião disse vá logo
quem conversa perde a hora
vá depressa e volte já
eu quero pouca demora
se não me derem o ingresso
eu viro tudo azavesso
toco fogo e vou embora

o vigia foi e disse
ao satanás no salão
saiba vossa senhoria
que aí chegou lampião
dizendo quero entrar
e eu vim lhe perguntar
se dou-lhe o ingresso ou não?

Não senhor, satanás disse
Vá dizer que vá embora
Só me chega gente ruim
Eu ando muito caipora
Eu já estou com vontade
De botar mais da metade
Dos que tem aqui pra fora

Lampião é um bandido
Ladrão da honestidade
Só vem desmoralizar
A nossa propriedade
E eu não vou procurar
Sarna para me coçar
Sem haver necessidade



Disse o vigia ao patrão
A coisa vai arruinar
Eu sei que ele se dana
Quando não puder entrar
Satanás disse isso é nada
Convide toda negrada
E leve os que precisar

Leve cem dúzias de negros
Entre homen e mulher
Vá na loja de ferragem
Tire as armas que quiser
É bom avisar também
Pra vir os negros que tem
Mais compadre lúcifer

E reuniu-se a negrada
Primeiro chegou fuxico
Com um bacamarte velho
Gritando por cão de bico
Que trouxesse o pau da prensa
E fosse chamar tangença
Na casa de maçarico

E depois chegou cambota
Endireitando o boné
Formigueiro e trupe-zupe
E o crioulo quelé
Chegou caé e pacaia
Rabisca e cordão de saia
E foram chamar bazé

Veio uma diaba moça
Com a caçola de meia
Puxou a vara da cerca
Dizendo a coisa tá feia
Hoje o negocio se dana
E gritou eita baiana
Agora a ripa vadeia

E saiu a tropa armada
Em direção ao terreiro
Faca, pistola e facão
Cravinote e granadeiro
Uma negra também vinha
Com a trempe da cozinha
E o pau de bater tempero



Quando lampião deu fé
Da tropa negra encostada
Disse só na abissínia
Ô tropa preta danada
O chefe do batalhão
Gritou de arma na mão
Toca-lhe fogo negrada

Nessa hora ouviu-se grito
Que só pipoca no caco
Lampião pulava tanto
Que parecia um macaco
Tinha um negro nesse meio
Que durante o tiroteio
Brigou tomando tabaco

Acabou-se o tiroteio
Por falta de munição
Mais o cacete batia
Negro rolava no chão
Pau e pedras que achavam
E o que as mãos pegavam
Sacudiam em lampião

Chega traz o armamento
Assim gritava o vigia
Traz a pá de mexer doce
Lasca os ganchos de caria
Traz um birro de massau
Corre vai buscar um pau
Na cerca da padaria

Lúcifer mais satanás
Vieram olhar do terraço
Todos contra lampião
De cacete, faca e braço
O comandante no grito
Dizia briga bonito
Negrada chega-lhe o aço

Lampião pôde apanhar
uma caveira de boi
sacudiu na testa dum
ele só fez dizer ôi
ainda correu dez braças
e caiu enchendo as calças
mais não digo do que foi



estava travada a luta
mais de uma hora fazia
poeira cobria tudo
negro embolava e gemia
porem lampião ferido
ainda não tinha sido
devido a grande energia

lampião pegou um chêxo
e rebolou em um cão
mas o qual arrebentou
a vidraça do oitão
saiu um fogo azulado
incendiou o mercado
e o armazém de algodão

satanás com esse incêndio
tocou no búzio chamando
correram todos os negros
que se achavam brigando
lampião pegou a olhar
não vendo com quem brigar
também foi se retirando

houve grande prejuízo
no inferno nesse dia
queimou-se todo dinheiro
que satanás possuía
queimou-se o livro de pontos
perdeu-se vinte mil contos
somente em mercadoria

reclamava lúcifer
horror maior não precisa
os anos ruins de safra
agora mais essa pisa
se não houver bom inverno
tão cedo aqui no inferno
ninguém compra uma camisa

leitores vou terminar
o tratado de lampião
muito embora que não possa
vos dar a explicação
no inferno não ficou
no céu também não chegou
por certo está no sertão



quem duvidar desta historia
pensar que não foi assim
querer zombar do meu eu
não acreditando em mim
vá comprar papel moderno
escreva par o inferno
mande saber de caim!

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

a linguiça do jumento

Essa é letra de uma musica de Amazan, um expoente na sanfona e no repente em Campina Grande, reparem nos versos desse artista...

A linguiça do jumento
(amazan)

Conheci um fazendeiro no sertão do Seridó
Rico de terra e dinheiro, doido por gado e forró
Chamado João de Luzia, casado com Dona Lia,
com quem morava contente
A sua esposa querida, que no decorrer da vida lhe deu um filho somente
O casal não entendia porque era que o destino
Ou Jesus não permitia que nascesse outro menino
E então criava Joãozinho, que já tava rapazinho, perto da maioridade
Era um jovem de presença, mas fraco de inteligência, pobre de capacidade
Joãozinho era o meninão, ia dormir logo cedo
Tinha medo de trovão, vivia chupando dedo
Não montava num cavalo, não entrava no embalo dos jovens da região
Tudo quanto ele tentava fazer, não se adaptava, era uma decepção
João se preocupava com o futuro do filho
Que não administrava nem uma broca de milho
Certa feita viajou pra São Paulo e retornou com uma máquina possante
Que adquiriu por lá para fabricar jabá de maneira interessante
Quando chegou, sem demora, disse: "Joãozinho, vem cá
Que eu vou lhe ensinar agora como é que se faz jabá:
Você coloca o jumento naquele compartimento, aperta nesse botão
Que ali do outro lado já sai tudo separado com a maior perfeição
Naquela boca acolá, a carne já sai salgada
Pronta para viajar, pesada e empacotada
E ali daquele lado, que tem um cano encarnado com uma ponta comprida
Sai lingüiça só da boa, pronta pra qualquer pessoa comprar e ser consumida.
"Depois de tudo entender, Joãozinho olhou para João
E foi dizendo: "Paiê, e mudando a posição?
Botando a lingüiça lá, vindo pro lado de cá, aqui pro compartimento
E apertando no botão, prestando bem atenção, não vai sair um jumento?
"Menino, quando João escutou isso pegou um ar desgraçado
Disse: "Lata de feitiço! Analfabeto! Tapado!
O único lugar que eu sei que a lingüiça eu coloquei e um jumento saiu,
Foi na velha sua mãe, espia aí o tamanho do jegue que ela pariu!
"Joãozinho ainda preparou-se pra fazer nova pergunta
Mas o seu pai arretou-se, derramou-lhe uma vergunta
de galha de catingueira,
João estirou na carreira sem rumo ou itinerário
O pai de velho morreu e Joãozinho não aprendeu operar o maquinário.

matuto no futebol

Por volta de 1981, num boteco de Campina Grande,ouvi essa perola da poesia nordestina. era o proprio Zé Laurentino, autor da mesma, fazendo todo mundo se embolar de tanto rir com suas poesias...


Hoje o pessoal do mato
ja ta se civilizando
ja tem rapaz estudando
pras bandas da capitá
ja tem moça que namora
com o imbigo de fora
ediceta e coisa e tá

mais essas coisas eu estranho
me dano e nao acompanho
a tá civilização
até que a morte me mate
munca fui numa buate
nunca vi televisão

e esse tá de cinema
que eu nao sei nem como é
se é homi ou muié
se veio da lua ou do só
nunca fui a um treato
e tambem nunca passei
num campo de futebó

é isso mermo patrao
eu nasci pra ser matuto
viver que nem bicho bruto
dando de cumê a gado
eu só acho que sou gente
pruquê um véi meu parente
disse que eu sou batizado

mais pro arte dos pecados
o filho de cumpade chico
o fazendeiro mais rico
dali daquele arrebó
com preguiça de estudar
inventou de inventar
um jogo de futebó

e no paito da fazenda
mandou botar duas barras
e eu fui assistir a farra
do lote de vagabundo
mais quando vi afrouxei
acredite que achei
a coisa mió do mundo

eu cabôco lazarino
com dois metro de artura
os braço dessa grossura
medo pra mim é sulipa
de jogar tive um parpite
e aceitei logo o convite
prumode jogar de quipa

me deram um calçao listrado
e um par de jueiêira
tambem um par de chuteira
e uma camisa de gola
aí gritei arre diabo
eu já peguei touro brabo
e segurei pelo rabo
pruquê num pego uma bola?

sei que o jogo começou
o juiz bom e honesto
pra começar era ernesto
o nome do apitador
prumode o jogo parar
bastava a gente chutar
a cara do companheiro

bola vai e bola vem
um tá de zé paraiba
inventou de dar um driba
no filho de xica brejeira
esse deu-lhe uma rasteira
que o pobre do matuto
passou uns cinco minuto
se embolando na poeira

o juiz mandou chutar
uma bola contra eu
pruquê meu fubeque deu
um coice no honorato
aí o juiz errou
pruque se outro chutou
ele que pagasse o pato

mais afiná meu patrao
nao gosto de confusao
mandei o cabra chutar
fiquei esperando o choque
tanta força a bola vinha
que vinha pequenininha
que nem bala de badoque

quando fui pegar a bola
me atrapaei meu patrao
passou pru entre meus braços
e bateu numa regiao
que foi batendo e eu caindo
me embolando no chao

o povo caiu em riba
me deram um cha de jalapa
uns tres copos de garapa
mais um cha de quixabeira
quando tive uma miora
joguei a chuteira fora
saí batendo a poeira

desse dia em diante
nem mode ganhar dinheiro
nao jogo mais de goleiro
nem com lua nem com só
nem aqui nem no deserto
tambem nao passo nem perto
dum campo de futebó