quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

A chegada de lampião no inferno

Esses versos de cordel, atribuído a Jose Pacheco, data dos anos 60. Vejam a riqueza de detalhes, associado ao linguajar regional. Uma verdadeira perola da poesia de cordel

A chegada de lampião no inferno

Um cabra de lampião
Por nome pilão deitado
Que morreu numa trincheira
Um certo tempo passado
Agora pelo sertão
Anda correndo visão
Fazendo malassombrado

E foi quem trouxe a noticia
Que viu lampião chegar
O inferno nesse dia
faltou pouco pra virar
incendiou-se o mercado
morreu tanto cão queimado
que faz pena ate contar

morreu o pai de canguinha
a mãe de forrobodó
cem netos de parafuso
um cão chamado cotó
escapuliu boca ensoça
e uma moleca moça
quase queimava o totó

morreu cem negros velhos
que não trabalhava mais
um cão chamado traz cá
vira-volta e capataz
tromba suja e bigodeiro
um cão chamado goteira
cunhado de satanás

vamos tratar da chegada
quando lampião bateu
um moleque ainda moço
no portão apareceu
quem é você cavalheiro?
Moleque eu sou cangaceiro
lampião lhe respondeu

moleque não, sou vigia
e não sou seu pareceiro
e você aqui não entra
sem dizer quem é primeiro
moleque, abra o portão
saiba que sou lampião
assombro do mundo inteiro



então esse tal vigia
que trabalha no portão
dá pisa que voa cinza
não procura distinção
o negro escreveu não leu
a macaíba comeu
ali não usa perdão

o vigia disse assim
fique fora que eu entro
vou conversar com o chefe
no gabinete do centro
por certo ele não lhe quer
mais conforme o que disser
eu levo o senhor pra dentro

lampião disse vá logo
quem conversa perde a hora
vá depressa e volte já
eu quero pouca demora
se não me derem o ingresso
eu viro tudo azavesso
toco fogo e vou embora

o vigia foi e disse
ao satanás no salão
saiba vossa senhoria
que aí chegou lampião
dizendo quero entrar
e eu vim lhe perguntar
se dou-lhe o ingresso ou não?

Não senhor, satanás disse
Vá dizer que vá embora
Só me chega gente ruim
Eu ando muito caipora
Eu já estou com vontade
De botar mais da metade
Dos que tem aqui pra fora

Lampião é um bandido
Ladrão da honestidade
Só vem desmoralizar
A nossa propriedade
E eu não vou procurar
Sarna para me coçar
Sem haver necessidade



Disse o vigia ao patrão
A coisa vai arruinar
Eu sei que ele se dana
Quando não puder entrar
Satanás disse isso é nada
Convide toda negrada
E leve os que precisar

Leve cem dúzias de negros
Entre homen e mulher
Vá na loja de ferragem
Tire as armas que quiser
É bom avisar também
Pra vir os negros que tem
Mais compadre lúcifer

E reuniu-se a negrada
Primeiro chegou fuxico
Com um bacamarte velho
Gritando por cão de bico
Que trouxesse o pau da prensa
E fosse chamar tangença
Na casa de maçarico

E depois chegou cambota
Endireitando o boné
Formigueiro e trupe-zupe
E o crioulo quelé
Chegou caé e pacaia
Rabisca e cordão de saia
E foram chamar bazé

Veio uma diaba moça
Com a caçola de meia
Puxou a vara da cerca
Dizendo a coisa tá feia
Hoje o negocio se dana
E gritou eita baiana
Agora a ripa vadeia

E saiu a tropa armada
Em direção ao terreiro
Faca, pistola e facão
Cravinote e granadeiro
Uma negra também vinha
Com a trempe da cozinha
E o pau de bater tempero



Quando lampião deu fé
Da tropa negra encostada
Disse só na abissínia
Ô tropa preta danada
O chefe do batalhão
Gritou de arma na mão
Toca-lhe fogo negrada

Nessa hora ouviu-se grito
Que só pipoca no caco
Lampião pulava tanto
Que parecia um macaco
Tinha um negro nesse meio
Que durante o tiroteio
Brigou tomando tabaco

Acabou-se o tiroteio
Por falta de munição
Mais o cacete batia
Negro rolava no chão
Pau e pedras que achavam
E o que as mãos pegavam
Sacudiam em lampião

Chega traz o armamento
Assim gritava o vigia
Traz a pá de mexer doce
Lasca os ganchos de caria
Traz um birro de massau
Corre vai buscar um pau
Na cerca da padaria

Lúcifer mais satanás
Vieram olhar do terraço
Todos contra lampião
De cacete, faca e braço
O comandante no grito
Dizia briga bonito
Negrada chega-lhe o aço

Lampião pôde apanhar
uma caveira de boi
sacudiu na testa dum
ele só fez dizer ôi
ainda correu dez braças
e caiu enchendo as calças
mais não digo do que foi



estava travada a luta
mais de uma hora fazia
poeira cobria tudo
negro embolava e gemia
porem lampião ferido
ainda não tinha sido
devido a grande energia

lampião pegou um chêxo
e rebolou em um cão
mas o qual arrebentou
a vidraça do oitão
saiu um fogo azulado
incendiou o mercado
e o armazém de algodão

satanás com esse incêndio
tocou no búzio chamando
correram todos os negros
que se achavam brigando
lampião pegou a olhar
não vendo com quem brigar
também foi se retirando

houve grande prejuízo
no inferno nesse dia
queimou-se todo dinheiro
que satanás possuía
queimou-se o livro de pontos
perdeu-se vinte mil contos
somente em mercadoria

reclamava lúcifer
horror maior não precisa
os anos ruins de safra
agora mais essa pisa
se não houver bom inverno
tão cedo aqui no inferno
ninguém compra uma camisa

leitores vou terminar
o tratado de lampião
muito embora que não possa
vos dar a explicação
no inferno não ficou
no céu também não chegou
por certo está no sertão



quem duvidar desta historia
pensar que não foi assim
querer zombar do meu eu
não acreditando em mim
vá comprar papel moderno
escreva par o inferno
mande saber de caim!

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