quarta-feira, 9 de abril de 2014

Eita, o ônibus partiu, ou partiu-se?

Lá no interior da Paraiba todo mundo é conhecido por apelido: é Zé de Sebastião, Mané de Ritinha, João de Nenzinha etc.  Nosso primo, Nô de Maltides Leite, (in memoria), como era de se esperar, não fugia à regra, ganhara esse apelido desde rapaz jovem. Sempre de bom humor tinha uma presença de espírito que lhe rende até hoje inúmeras piadas e histórias.
Certo dia, estava Seu Nô como também era conhecido, sentado em sua cadeira de balanço à sombra da calçada de sua casa, quando foi interpelado por um transeunte que julgava estar atrasado para tomar o ônibus que saía de Conceição para João Pessoa naquele fim de tarde:
- Seu Nô, o senhor viu se o ônibus partiu?
Em cima da bucha Nô respondeu:
- Se partiu foi depois da esquina de João Panta, porque aqui ele passou inteiro!

traquinagem ou malinagem?

No reino da traquinagem eu, quando criança, não era nenhum Papa, mas também não era nenhum Diácono, sem falsa modéstia era um Arcebispo ou talvez um Cardeal. O fato é que não quero reivindicar nenhum título eclesiástico, nem tampouco de saltimbanco serelepe. Pois bem, trocando em miúdos, quando pirralho todo mundo faz suas estripulias, uns mais outros menos etc. e comigo não foi diferente, que pra começo de prosa, certo dia em frente ao comércio do meu pai, uma mistura de bar, lanchonete, sorveteria, agência de passagens de ônibus para São Paulo e Brasilia e posto de gasolina (onde se vendia gasolina em latas de flandre de 20 litros), eu arquitetei um mirabolante plano de pegadinha aos meninos do meu tope, que consistia em amarrar uma cédula um mil reis  - aquelas azuis, com a esfinge do almirante tamandaré no centro da face interna da nota - à ponta de uma linha de carretel, onde na outra extremidade eu ficava escondido atrás da porta do comércio.
Tal qual não foi a minha surpresa, um compadre de meu pai que em respeito à família e memória do mesmo omito aqui seu nome, passava no momento em que eu acabara de lançar a cédula ao chão. Era um sujeito grandalhão e buchudo com certa dificuldade de mobilidade, e ao ver a nota do dinheiro dando sopa na calçada olhou para um lado e para o outro, disfarçou, e com um pequeno sacrifício se abaixou para apanhar a nota. Eu instantaneamente puxei a linha, e ele achando que o vento estava carregando a nota se apressou em pegá-la correndo atrás dela em posição de cata cavaco, novamente puxei a linha... e foi, e foi até que esbarrou na porta do bar, momento em que eu disparei uma gargalhada por trás da porta. De repente um puxão na porta e aparece aquela figura ciclópica  bem na minha frente: "seu moleque, eu vou contar pro meu compadre, o seu pai!
Naquele instante eu não sabia se me cagava de medo, ou se me mijava de tanto rir...
     

A beata e a coruja

Era meados de setembro lá pra's bandas de Ibiara, um lugarejo perdido nos confins da Paraíba,  um dia daqueles quente e seco, em que o redemoinho de poeira enchia as casas de pó, deixando as mercadorias das prateleiras das bodegas cobertas com uma fuligem amarronzada. Embora houvesse ventania durante todo dia, mas não era capaz de amenizar o calor abafado da época, o que fazia com que uma maloca de desocupados permanecessem até mais tarde na praça, aguardando com uma meiota de cachaça, o limiar da madrugada, quando o tempo invariavelmente se tornava mais fresco, convidando a dormir.
Maria Romã, uma velha beata viúva, morava numa simples casa, de porta e duas janelas na fachada, na mesma rua da igreja. Era religiosa a tal ponto de se guiar para a missa, pelas batidas do campanário.  Certa noite, segundo os maloqueiros contumazes da praça, já era madrugada quando uma coruja rasga-mortalha que morava na torre da igreja, voltava de suas incursões noturnas e esbarrou nas cordas dos sinos, fazendo com que soasse pela praça e ruas adjacentes o velho e conhecido tom. A velha beata não titubeou nem resmungou da hora, mais que depressa vestiu sua bata e faixa do apostolado da oração, muniu-se de um terço e do folheto da santa missa, cobriu a cabeça com um véu de renda preta e desceu a ladeira rumo à igreja. Para sua surpresa, após subir os degraus do patamar, encontrou a porta fechada, momento em que resmungou em tom de desabafo: "ora mais tá, esse padre dorminhoco manda tocar o sino quando nem ele ainda acordou..."