quarta-feira, 9 de abril de 2014

A beata e a coruja

Era meados de setembro lá pra's bandas de Ibiara, um lugarejo perdido nos confins da Paraíba,  um dia daqueles quente e seco, em que o redemoinho de poeira enchia as casas de pó, deixando as mercadorias das prateleiras das bodegas cobertas com uma fuligem amarronzada. Embora houvesse ventania durante todo dia, mas não era capaz de amenizar o calor abafado da época, o que fazia com que uma maloca de desocupados permanecessem até mais tarde na praça, aguardando com uma meiota de cachaça, o limiar da madrugada, quando o tempo invariavelmente se tornava mais fresco, convidando a dormir.
Maria Romã, uma velha beata viúva, morava numa simples casa, de porta e duas janelas na fachada, na mesma rua da igreja. Era religiosa a tal ponto de se guiar para a missa, pelas batidas do campanário.  Certa noite, segundo os maloqueiros contumazes da praça, já era madrugada quando uma coruja rasga-mortalha que morava na torre da igreja, voltava de suas incursões noturnas e esbarrou nas cordas dos sinos, fazendo com que soasse pela praça e ruas adjacentes o velho e conhecido tom. A velha beata não titubeou nem resmungou da hora, mais que depressa vestiu sua bata e faixa do apostolado da oração, muniu-se de um terço e do folheto da santa missa, cobriu a cabeça com um véu de renda preta e desceu a ladeira rumo à igreja. Para sua surpresa, após subir os degraus do patamar, encontrou a porta fechada, momento em que resmungou em tom de desabafo: "ora mais tá, esse padre dorminhoco manda tocar o sino quando nem ele ainda acordou..."

Nenhum comentário: